terça-feira, fevereiro 07, 2006

António Thomaz Botto


Por ti, noites e dias. Na voragem duma loucura lúcida e sombria, eu perdi a sensação de ser um homem que o
mundo da razão governa, e nos dá o aprumo de uma existência sólida, sadia.
Por ti, me devassei nos labirintos desse prazer desordenado e sujo, que faz do amor uma sargeta onde se escoa o sonho mais alado.
Por ti eu fui um prisioneiro, que por vício de mentir é condenado.
Por ti, sempre agressivo, me afastava de tudo onde o teu vulto não surgisse, e o teu sorriso não me desse o alento de acreditar, de ver, de me achar bem.
Por ti odiei os dogmas do universo e as leis fundamentais da civilização, rasguei as convenções, fiz do desejo o meu altar e amortalhei os sonhos deste infeliz e pobre coração.
Por ti, e nesta ânsia de esquecer o teu corpo maldito, essa divina e vil perturbação dos meus sentidos, embebedei-me à noite nas tavernas e adormeci nos braços das que vendem os movimentos já desiludidos.
Por ti dei azo à crítica imbecil de apunhalar a imortal firmeza, de ser o paladino consciente e artista, que canta sem pudor os mundos da beleza.
E hoje, agarrado a este amargo travo de quem viveu e amou, para sentir que não és mais que o motivo anónimo que tanto idealizei... sou o farrapo desse grande amor,
a vida que te dei.

2 Comments:

Blogger SilentFreak said...

Isto é a força personificada, contraditória é certo, um atestado de dependência, mas confessando todo o ímpeto e fogo que corre dentro de uma pessoa. . .que vive.

E ao mesmo tempo uma alucinante visão do mundo.
Incrível.

1:40 da manhã  
Blogger over_dreams said...

É tão alucinante e descritivo que tudo o que é fácil torna-se difícil de se entender e escrever. Brilhante... procurarei por ele!

1:54 da manhã  

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